Ilustração de Heedayah Lockman
Um livro que me marcou muito nos últimos anos foi “Caderno proibido”, da autora italiana Alba de Céspedes. Nele acompanhamos Valeria, uma mulher na casa dos 40 anos que se dedica aos cuidados domésticos, ao trabalho, aos filhos, ao marido… até que em um momento de subversão ela decide comprar um objeto de venda proibida aos domingos nos anos 1950: um caderno! Esse ato lhe devolve a vida. Ela passa, então, a escrever escondido uma espécie de diário, relatando tudo que lhe acontece. Ao tornar sua rotina palavras escritas ela percebe que não está tudo bem. Essa mulher toma consciência do seu papel de cuidadora da família e resolve mudar um pouco a dinâmica em casa (e no trabalho).
Mudar nossa perspectiva sobre como nos relacionamos com as pessoas que nos cercam pode abrir feridas indesejadas. Comecei esse exercício há uns 2 anos e venho descobrindo o quanto fui ensinada a cuidar dos outros, a me adaptar e deixar todos confortáveis, mesmo que isso me fizesse estar em lugares desconfortáveis. É uma festa surpresa que nunca tive, um bolo de aniversário que só aparece se eu mesma comprar, detalhes e sutilezas do dia a dia que faço pelos outros, mas nunca recebo sem pedir. E pedir cansa!
Me afastando de algumas pessoas percebi — com certa surpresa — que me sobra tempo para fazer o que eu realmente gosto, no tempo que eu quero e da forma que me agrada. É como se no auge dos meus 31 anos estivesse finalmente aprendendo a ser egoísta, a olhar somente pra mim e focar no que me faz bem. Não digo que jamais irei ajudar meus amigos e familiares, mas também não irei dispor de tempo e energia para fazer coisas que nunca me pediram. Acho que esse é o meu grande problema! Estou sempre tentando antecipar as necessidades alheias e já supri-las. Aos amigos que me leem, informo: precisarão, a partir de agora, manter essas demandas longe de mim!
Nisso também reside minha decisão de não ter filhos. Nunca tive o desejo de gestar uma criança, mas pensava em adotar e analisando o quanto isso exige da mulher (e aqui não farei todo o discurso feminista que tenho na ponta da língua porque tenho certeza que vocês entendem esse recorte) optei pela decisão mais racional possível e sigo firme nessa escolha.
Escrevo este texto em uma noite tranquila de domingo, entre uma pausa e outra dos estudos relacionados a duas pesquisas acadêmicas que fiz, e com a certeza de que estou no caminho certo. Uma dessas pesquisas será apresentada na próxima quarta-feira e a outra na última semana do mês seguinte. Fico feliz em olhar para trás e perceber que tudo isso só foi possível porque dediquei MUITA energia em benefício próprio.
Que texto profundo, amiga! Me identifiquei horrores com ele. Também antecipo as necessidades alheias e não recebo o mínimo em troca de toda atenção que dispenso ao próximo. Me afastei de muitas pessoas por isso, por não receber o mínimo. Cansa demais.